Por Aibes em 26/06/2024
Solução Jurídica para execução na Justiça do Trabalho

Com o advento da lei 14.112/20, houve significativas mudanças no âmbito das execuções judiciais de créditos não sujeitos aos efeitos da recuperação judicial, também denominados popularmente como créditos extraconcursais, trazendo maior segurança jurídica e clareza processual.

A redação do § 7º-A do art. 6º da LRF - Lei de Recuperação de Empresas e Falência estabelece que o juízo da recuperação judicial não possui competência para deliberar sobre constrição judicial efetivada no âmbito das execuções de crédito extraconcursal após o término do stay period. O juízo recuperacional possui competência para sobrestar atos de constrição que recaiam sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial, apenas durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º, do art. 6º, da referida lei, o que será exercido por cooperação entre os juízos.

Essa inovação legislativa aplica-se imediatamente aos processos em curso, por força do art. 5º, caput, da lei 14.112/20, podendo beneficiar diretamente diversos credores, incluindo aqueles que têm enfrentado dificuldades para receber seus créditos na Justiça do Trabalho.

Anteriormente, o juízo da recuperação judicial era visto como competente universal para deliberar sobre todas as constrições judiciais, inclusive aquelas relacionadas a créditos extraconcursais. No entanto, a lei 14.112/20 trouxe mudanças significativas, delimitando a competência do juízo da recuperação judicial.

Nesse sentido, o STJ, recentemente declarou que, após o término do stay period, a competência para execuções individuais de créditos extraconcursais retorna aos juízos especializados, como a Justiça do Trabalho. Colhe-se do seguinte julgado, cujo voto é de lavra do ministro Marco Aurélio Bellizzze:

CONFLITO DE COMPETÊNCIA NEGATIVO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA TRABALHISTA REFERENTE A CRÉDITO EXTRACONCURSAL. JUÍZO TRABALHISTA QUE DETERMINA O ARQUIVAMENTO, EM ATENÇÃO À COMPETÊNCIA DO JUÍZO RECUPERACIONAL. PEDIDO DE HABILITAÇÃO DO REFERIDO CRÉDITO NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL INDEFERIDO PELO JUÍZO RECUPERACIONAL, JUSTAMENTE EM RAZÃO DE SUA EXTRACONCURSALIDADE. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. 

CARACTERIZAÇÃO. DE ACORDO COM § 7-A DO ART. 6º DA LRF (COM REDAÇÃO DADA PELA LEI 14.112/20), O JUÍZO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL NÃO DETÉM COMPETÊNCIA PARA INTERFERIR, APÓS O DECURSO DO STAY PERIOD, NAS CONSTRIÇÕES EFETIVADAS NO BOJO DE EXECUÇÃO INDIVIDUAL DE CRÉDITO EXTRACONCURSAL.

CONFLITO DE COMPETÊNCIA NEGATIVO CONHECIDO PARA DECLARAR A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA TRABALHISTA.

A controvérsia posta no presente incidente centra-se em definir o juízo competente para conhecer e julgar o cumprimento de sentença trabalhista, cujo crédito ali reconhecido tem seu fato gerador em data posterior ao pedido de recuperação judicial (extraconcursal, portanto), afigurando-se relevante, a esse propósito - sobretudo em atenção ao teor da decisão proferida pelo Juízo trabalhista, bem como ao parecer manifestado pelo Ministério Público Federal -sopesar a subsistência (ou não) da competência do juízo da recuperação judicial para, nos termos propugnados, exercer juízo de controle sobre atos constritivos, considerado, no caso dos autos, o exaurimento do prazo de blindagem, estabelecido no § 4º do art. 6º da lei 11.101/05 (com redação dada pela lei 14.112/20).

Com o advento da lei 14.112/20, tem-se não mais haver espaço - diante de seus termos resolutivos - para a interpretação que confere ao juízo da recuperação judicial o status de competente universal para deliberar sobre toda e qualquer constrição judicial efetivada no âmbito das execuções de crédito extraconcursal, a pretexto de sua essencialidade ao desenvolvimento de sua atividade, principalmente em momento posterior ao decurso do stay period.

A partir da entrada em vigência da lei 14.112/20, com aplicação imediata aos processos em trâmite (afinal se trata de regra processual que cuida de questão afeta à própria competência), o juízo da recuperação judicial tem a competência específica para determinar o sobrestamento dos atos de constrição exarados no bojo de execução de crédito extraconcursal que recaíam sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial durante o período de blindagem. Em se tratando de execuções fiscais, a competência do juízo recuperacional restringe-se a substituir os atos de constrição que recaíam sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial até o encerramento da recuperação judicial.

Uma vez exaurido o período de blindagem - mormente nos casos em que sobrevém sentença de concessão da recuperação judicial, a ensejar a novação de todas as obrigações sujeitas ao plano de recuperação judicial -, é absolutamente necessário que o credor extraconcursal tenha seu crédito devidamente equalizado no âmbito da execução individual, não sendo possível que o juízo da recuperação continue, após tal interregno, a obstar a satisfação do crédito, com suporte no princípio da preservação da empresa, o qual não se tem por absoluto.

4.1 Naturalmente, remanesce incólume o dever do juízo em que se processa a execução individual de crédito extraconcursal de bem observar o princípio da menor onerosidade, a fim de que a satisfação do débito exequendo se dê na forma menos gravosa ao devedor, podendo obter, em cooperação do Juízo da recuperação judicial, as informações que reputar relevantes e necessárias.

5. Diante do exaurimento do stay period, deve-se observar que a execução do crédito trabalhista extraconcursal em exame deve prosseguir normalmente perante o Juízo trabalhista suscitado, sendo vedado ao juízo da recuperação judicial - porque exaurida sua competência (restrita ao sobrestamento de ato constritivo incidente sobre bem de capital) - proceder ao controle dos atos constritivos a serem ali exarados.

6. Conflito de competência negativo conhecido, para declarar a competência do Juízo trabalhista. (STJ. CC 191533. relator(a) ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE. Data da Publicação 26/4/24)
Diante da relevância, transcreve-se, por oportuno, trecho da respectiva fundamentação:
"É relevante notar que a lei em comento foi absolutamente precisa em definir o espaço temporal em que a competência do Juízo recuperacional deve ser exercida, distinguindo-o no caso de execução de crédito extraconcursal (até o fim do stay period) e no caso de execução fiscal (até o encerramento da recuperação judicial).

Esses marcos legais hão de ser bem observados, a fim de se conferir a almejada previsibilidade ao processo recuperacional.
(...)
Como se constata, a competência do juízo recuperacional para sobrestar o ato constritivo realizado no bojo de execução de crédito extraconcursal restringe-se àquele que recai unicamente sobre bem de capital essencial à manutenção da atividade empresarial - a incidirem, para a sua caracterização, todas as considerações acima efetuadas -, a ser exercida apenas durante o período de blindagem.

Consoante bem leciona o professor Fábio Ulhoa Coelho, em comentário ao § 7º-A do art. 6º da LRF, "uma vez vencido o prazo legal, dispensa-se qualquer novo pronunciamento do juízo recuperacional 'liberando' a constrição A suspensão perde a eficácia e a constrição, judicial ou extrajudicial, volta a produzir todos os seus efeitos, tão logo transcorra o prazo previsto no § 4º do art. 6º. Trata-se de liberação automática da constrição, até mesmo porque o juízo recuperacional não pode prorrogar o prazo de suspensão" (in Comentários à lei de falências e de recuperação de empresas - lei 14.112/20, nova lei de falências. De acordo com a rejeição de vetos. 15ª Edição. São Paulo: Thomson Reuters Brasil. 2021, p. 67).

Bem de ver, assim, que as alterações dos dispositivos legais em exame pela lei 14.112/20 não mais subsidiam, permissa venia, o posicionamento que atribuía a competência universal e infindável ao juízo da recuperação judicial."

Desse modo e nos termos do entendimento do STJ em interpretação da lei 14.112/20, faz-se necessário que o credor, detentor de crédito extraconcursal tenha seu crédito devidamente satisfeito no âmbito da Justiça do Trabalho, não sendo possível que o juízo empresarial obste a satisfação do crédito, com suporte no princípio da preservação da empresa, o qual, nas palavras do ministro Marco Aurélio Belizze, na decisão acima mencionada, não se tem por absoluto.

Em complemento, a respeito do tema, o autor, juiz do Trabalho, Carlos Alberto Beagalles, em sua obra Curso de Execução Trabalhista, 2ª ed., Editora Venturoli, 2021, p. 73, já posicionava da seguinte maneira:
"Se os créditos nasceram de trabalho prestado após o pedido de recuperação judicial, executam-se na Justiça do Trabalho. Nesse caso, se ocorrer penhora de bens, o juízo da recuperação judicial, por meio de cooperação judicial, pode informar o juízo trabalhista que o bem está vinculado ao plano de recuperação e substituir a penhora sobre outros bens."

Todavia, a Justiça do Trabalho tem um antigo entendimento, no sentido de que  em caso de deferimento da recuperação judicial, sua competência se limita à apuração do respectivo  crédito - processo de conhecimento -, sendo vedada a prática, pelo citado juízo, de  qualquer ato que comprometa o patrimônio da empresa em recuperação  procedimento  de execução -, o qual hodiernamente deve ser modificado, sob pena de completo esvaziamento da especificidade do referido art. 6º da lei 11.105/05, §§ 7º-A e 7º-B.

Por outro lado, vale considerar que o Conselho Superior da Justiça do Trabalho chegou a editar a Recomendação Conjunta TST.CSJP.GP 26/22, no sentido de orientar os Juízes do Trabalho a observarem as disposições legais atinentes aos processos que debatam créditos considerados sujeitos aos efeitos da Recuperação Judicial, lastreando-se no julgamento do Tema 1.051 do STJ. Contudo, referida Recomendação foi revogada pelo Ato Conjunto TST.CSJT.GP 83, de 8/11/22.

À luz dessas considerações e, sobretudo, acerca do disposto no art. 6º da lei 11.101/2005, §§ 7º-A e 7º-B, no art. 49 da mesma lei, e no entendimento do STJ, espera-se que haja uma mudança cultural também da Justiça do Trabalho, a fim de observar as normais especiais contidas na legislação de recuperação judicial, e que, diante do caso concreto, por meio da cooperação entre juízos, se garanta a eficácia da execução desses créditos. A mudança legislativa, portanto, não apenas fortalece a segurança jurídica, mas também assegura que os direitos dos credores sejam respeitados e efetivados de maneira justa e eficiente.

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