Por Antônio de las Cuevas – Advogado, especialista em Direito do Agronegócio
Nos últimos dias, muito tem se falado sobre a aprovação do Projeto de Lei (PL) pelo Senado Federal que modifica o atual regime de aquisição de imóveis rurais por estrangeiros.
Para ajudar a conhecer um pouco sobre a história dessa discussão que já dura mais de 50 anos, de forma bastante objetiva, mas não desrespeitando a atenção que o tema merece, importante se faz esclarecer o motivo da criação de normas que regulamente essas operações feitas por estrangeiros em território brasileiro.
Em 1967, no intuito de apurar as irregularidades da venda de terras brasileiras a pessoas físicas e jurídicas estrangeiras, foi instaurada uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) a requerimento do hoje falecido Deputado Federal Márcio Moreira Alves.
Concluída a CPI, um Relatório sobre a investigação foi criado no qual apurou-se o cometimento de inúmeros crimes por estrangeiros, como grilagem, contrabando de madeira, exploração de minério sem as devidas autorizações da época e até roubo de documentos de velhas igrejas, dentre vários outros (Fonte: Resolução n. 94/1970, de 1º de julho de 1970).
Trata-se de um extenso documento com uma relevância histórica inestimável para as discussões atuais, que deveria ser lido pelos parlamentares que estão discutindo e votando o atual PL 2.963/2019.
Em decorrência da CPI foi editada Lei 5.709/71 a qual está vigente até hoje e que regula a Aquisição de Imóvel Rural por Estrangeiro Residente no País ou Pessoa Jurídica Estrangeira Autorizada a Funcionar no Brasil.
De acordo com a legislação atual, poderá adquirir terras brasileiras: a) Pessoas naturais (estrangeiros residentes no Brasil e cadastrados no Registro Nacional de Estrangeiros); b) Pessoas jurídicas estrangeiras (com autorização para funcionar no Brasil) e c) Pessoa jurídica brasileira constituída ou controlada por estrangeiros, respeitando a quantidade dos Módulos de Exploração Indefinida (MEI), que varia entre 5 e 100 hectares de acordo com região e município em que a propriedade está localizada.
Para pessoas naturais regulamenta-se que a aquisição de até 3 MEI não demandará autorização do Incra (exceto quando o imóvel estiver em faixa de fronteira ou se for uma segunda aquisição); acima de 3 MEI e até 20 MEI, é necessária a autorização do Incra e acima, até no limite de 50 MEI, além da autorização do Incra será necessário apresentar um projeto de exploração da área.
Já para as Pessoas Jurídicas e brasileiras equiparadas, a aquisição de até 100 MEI, demanda autorização do Incra e apresentação de projeto de exploração da área. Acima de 100 MEI, será necessária a apresentação de um projeto de exploração da área e autorização do Congresso Nacional.
Além destes limites para aquisição, devem ainda serem respeitados os limites territoriais impostos, os quais fixam que a soma total das áreas rurais adquiridas não pode ultrapassar 25% da superfície territorial do município de localização do imóvel rural e que pessoas estrangeiras de mesma nacionalidade não podem ser proprietárias de mais de 10% da superfície territorial de cada município.
Para o Senador Irajá (PSD-TO) relator do projeto, cujo o nítido intuito é facilitar a “venda do Brasil” para estrangeiros, a sanção do PL abrirá as portas do país para novos investimentos.
De acordo com o PL apresentado pelo Senado, que revoga na totalidade a atual legislação vigente (que é mais restritiva), nós temos três mudanças prejudiciais: a) A possibilidade de pessoas jurídicas brasileiras equiparadas (capital social controlado por estrangeiros) não sofrerem as restrições impostas às pessoas físicas e jurídicas estrangeiras; b) pessoas físicas e jurídicas estrangeiras podem adquirir até 15 módulos fiscais, o que corresponderia na nossa região de Rio Verde a 450 hectares (área varia a depender do município) de forma livre, sem necessidade de autorização do Incra ou outro órgão público, retirando também a exigência de apresentação de projetos de exploração da terra e c) convalida aquisições realizadas irregularmente durante a vigência da lei atual (Art. 21 do PL 2.963/2019).
Permanecem inalterados os limites atuais tanto para compra quanto arrendamento, que são 25% da superfície de cada município, com a restrição de 10% da área total para cada nacionalidade.
Por mais que a nossa Constituição Federal de 1988 em seu artigo 190 determine que a lei regularize e limite “a aquisição ou o arrendamento de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira e estabelecerá os casos que dependerão de autorização do Congresso Nacional”, ao analisar o PL, questões nacionais importantes são esquecidas.
Estamos falando de segurança nacional, soberania alimentar, política pública e de um dos princípios mais importante que rege a atividade econômica brasileira, o da soberania nacional, previsto no artigo 170, inciso I da Carta Magna.
Em atenção a complexidade do tema e do que está em jogo, percebe-se que ao sugerir o PL, não houve uma preocupação em criar um regime regulatório consistente, preferindo assim uma abertura desenfreada do mercado de venda de terras rurais em meio à uma corrida global por terras aráveis, água, pastos, recursos minerais e biodiversidade.
Estamos falando de países com um grande poder aquisitivo, cuja a moeda chega a um patamar de valorização 5 vezes maior que o real, o que torna nossas terras bastante acessíveis ao resto do mundo.
Ao meu ver, apesar de entender que é necessário sim encerrar esta discussão sobre a regularização da aquisição de terras brasileiras por estrangeiros com uma legislação de acordo com a realidade que nós vivemos, o atual PL 2.963/2019 abre literalmente a porteira para que os estrangeiros, utilizando do seu poder aquisitivo superior, façam a festa em território brasileiro e assim nós “queimamos” o maior ativo que o Brasil tem, o solo.
Sempre que me questionam sobre esta situação, eu gosto de citar como exemplo o tratoraço realizado pelos produtores rurais do Estado de São Paulo, quando o atual Governador, João Dória, instituiu a cobrança de ICMS para insumos agrícolas. Precisamos unir forças e exigir que o poder legislativo cumpra com competência o seu papel e elabore um PL que não coloque em risco a nossa soberania e principalmente o agronegócio, pilar da nossa economia.
Após aprovação pelo Senado Federal, o PL foi encaminhado para revisão a Câmara dos Deputados seguindo posteriormente para sanção ou veto presidencial, que acenou publicamente para o veto.
Artigo publicado pela Revista do Sindicato Rural de Rio Verde / GO - Edição fevereiro/2021
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