Por Aibes Alberto da Silva - Advogado | Antônio de las Cuevas - Advogado, especialista em direito do Agronegócio
A pandemia do COVID-19 vem atingindo os mais diversos setores da economia, com maior ou menor gravidade, afetando a capacidade econômica e o cumprimento contratual de obrigações anteriormente assumidas.
Atualmente, muito tem se falado sobre a resolução ou a revisão dos contratos de venda de soja verde pela alta variação cambial, em que houve consequentemente a valorização das commodities em um patamar acima do valor negociado pelo produtor rural a época da negociação de sua produção. Utilizando como justificativa a pandemia do COVID-19, através de duas teorias, a da imprevisibilidade ou onerosidade excessiva ou do caso fortuito ou força maior.
O Código Civil brasileiro, em seu artigo 478, que disciplina sobre a onerosidade excessiva dos contratos, diz que “nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato”.
Ao ler o artigo acima, pela letra fria da lei, supõe-se que nestes contratos de venda de safra futura, cujo valor negociado foi de “x”, e na data da entrega, por variação cambial e pelo fato de estarmos enfrentando uma pandemia, esteja valendo “2x”, torna-o excessivamente oneroso sendo assim passível de revisão ou resolução. Este não é o entendimento dos Tribunais pátrios e do STJ.
Por se tratar de um objeto com preço flutuante (commodities), acontecimentos de difíceis previsões, como desvalorização de moeda, crise de matéria prima, fenômenos da natureza, crises econômicas, guerras, dentre outros fatores, podem alterar significativamente o valor de mercado das commodities, deixando-a mais onerosa para uma das partes.
Neste cenário, em se tratando dos contratos de compra e venda de grãos futuro, no momento em que o valor de venda é entabulado frente as tradings, o produtor leva em consideração o custo total de sua produção, garantindo uma margem de lucro no valor fixado.
Neste contexto, nos diversos julgados do STJ, a corte tem se posicionado no sentido de que a alta do preço da soja não torna a prestação de uma das partes excessivamente onerosa, apenas reduziu o lucro do produtor rural e a variação cambial, que alterou a cotação da soja, não configura um acontecimento extraordinário e imprevisível, por ser um risco inerente à atividade econômica.
Importante lembra-los que não há casos concretos de aplicação das teorias por causa de epidemia ou pandemia. Portanto, estamos diante de uma situação sem precedentes nos tribunais brasileiros, cujo tema merece uma análise minuciosa.
Provavelmente você deve estar se perguntando: Uma pandemia que paralisou o planeta, não é o suficiente para invocar a teoria da imprevisibilidade? Justificando assim a revisão ou resolução dos contratos? Então, a resposta não é tão óbvia. Caberá ao Judiciário analisar cada caso de maneira independente e individual.
No entanto, antes de buscar a tutela do judiciário, é de suma importância que a parte que busca a revisão ou resolução do contrato, tenha conhecimento dos riscos e custos que poderá enfrentar com o litígio. Estamos falando de contratos cuja as cifras, em grande maioria, são de milhões (custas iniciais, honorários sucumbenciais, etc.). Porém, antes de procurar ajuda no judiciário, a busca pela resolução dos conflitos por meio da conciliação será fundamental.
Um argumento que pode colaborar com essa negociação extrajudicial, é o fato de que da mesma forma que teve o aumento no valor negociado da soja verde, houve também o aumento no custo da produção, tendo em vista que o preço dos insumos tende a acompanhar o acréscimo das cotações dos grãos.
De acordo com os dados do Instituto do Fortalecimento da Agropecuária de Goiás (IFAG), o custo operacional efetivo da produção da soja safra 20/21, em comparação com ano agrícola anterior, registrou um avanço de 11,7%. No caso da soja, o gasto com fertilizantes e corretivos saltou 20%, quando comparamos a safra 20/21 com a passada.
Uma coisa é certa, deixar de cumprir a obrigação pactuada não é a melhor opção. As multas contratuais, eventuais condenações por danos morais, custas processuais e honorários sucumbenciais (levando em consideração os precedentes do STJ) podem onerar ainda mais a operação.
Uma reflexão deve ser feita. Se fosse as tradings buscando a revisão do contrato pela variação cambial ou oscilação do preço de mercado, isso seria justo aos olhos do produtor? Vejam, no momento que o judiciário é contrário à revisão dos contratos por estas justificativas, ele garante a segurança jurídica da operação.
Fundamentar um pedido de revisão ou resolução contratual em virtude da pandemia do COVID-19, não é a melhor opção para obter êxito em uma discussão judicial ou extrajudicial. Pelas projeções realizadas por diversos órgãos do setor (FAEG, MAPA), tudo indica que teremos uma safra com valor positivo nunca visto, a pandemia não prejudicou o exercício da atividade do produtor, na verdade foi ao contrário.
De qualquer forma, conforme já dito acima, cada caso deverá ser analisado individualmente. Temos setores do agro que estão sofrendo, e sofreu no início, com os efeitos da pandemia, como é o caso do setor sucroalcooleiro (FAEG), com a baixa do petróleo e do consumo, com perdas dignas de revisão.
Artigo publicado pela Revista do Sindicato Rural de Rio Verde / GO - Edição novembro/2020
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